sexta-feira, 16 de julho de 2010

Intervenção em Contexto Escolar: A proposta de Coleman e Deutsch de um modelo com diferentes níveis de análise

Figura 1 - Uma contribuição sistémica para a mudança na escola (Adaptado de
Coleman & Deutsch, 2001, citado em Costa e Matos, 2007)
1. Disciplina
2. Currículo
3. Pedagogia
4. Cultura Escolar
5. Comunidade

A abordagem sistémica tem sido cada vez mais o paradigma de referência na conceptualização dos processos inerentes ao conflito, bem como para a intervenção neste domínio em contexto escolar. Esta abordagem traduz o reconhecimento da circularidade de influências nestes processos. Raider (1995, citado em Costa e Matos, 2007: 90) estabelece cinco níveis de abordagem (a disciplina, o curriculum, a pedagogia, a cultura escolar e a comunidade) sublinhando, desta forma, a visão da escola como um sistema aberto (Figura 1).
Quando nos propomos produzir mudança é necessário intervir a diferentes níveis envolvendo todo o sistema escolar. Para o que não basta uma acção isolada, há necessidade de experiências continuadas de resolução construtiva de conflitos no seio de diferentes áreas disciplinares, criar um ambiente escolar que forneça tais experiências, isto é, construir uma escola que sirva de modelo aos seus alunos. Esta experiência alargada permitirá o desenvolvimento nos alunos de atitudes e competências generalizáveis, suficientemente fortes para resistir às influências contraditórias que possam prevalecer nos contextos extra-escola, para que na adultícia estejam preparados para cooperar com os outros na resolução construtiva de conflitos, isto é, que sejam capazes de exercer as suas funções generativas.

Coleman e Deutsch (200 l, citado em Costa e Matos, 2007:91) apresentam um programa de actuação numa perspectiva sistémica, englobando diferentes níveis de análise da instituição escolar, propostos por Raider, em 1995, e tendo como objectivo a promoção de valores, atitudes, conhecimentos e competências.
Aparte as suas diferenças, as intervenções aos diversos níveis conceptualizados têm em comum o facto de objectivarem a mudança simultaneamente aos níveis individual e sistémico e de se centrarem nos valores de empowerment , interdependência social positiva, não-violência e justiça social.

A intervenção proposta para o primeiro nível, o sistema disciplina consiste nos programas de mediação de pares, com formação e supervisão de acompanhamento no sentido de preparar os alunos e professores seleccionados para servirem como mediadores. Não podemos deixar de assinalar que os conflitos na escola podem ocorrer entre alunos, entre alunos e professores, entre pais e professores, entre professores e administradores, etc. A formação centra-se nos princípios da resolução construtiva de conflitos, na forma de funcionarem como mediadores, e num conjunto de regras para aplicarem durante a mediação (Crawford e Bodine, 1997, citado em Costa e Matos, 2007:91). Os centros de mediação constituídos desta forma nas escolas efectuam a divulgação dos seus serviços junto da população escolar e recebem pedidos de diversas proveniências (órgãos de gestão, professores, alunos).
Os efeitos positivos destes programas revelam-se, ao nível individual, nas áreas de satisfação por parte dos envolvidos, conflito pessoal, valores psicossociais, agressividade, tomada de perspectiva e competência em conflito (Fones, 1998). Nos alunos mediadores, em particular, traduzem-se ao nível da autoconfiança, auto-estima, assertividade e atitudes gerais face à escola (Crawford & Bodine, 1997, citado em Costa e Matos). Ao nível da escola, acrescem-se um menor número de processos disciplinares e suspensões, o tempo que os professores e órgãos de gestão têm que despender a lidar com os conflitos, e das percepções da escola, em particular como desenvolvimento de um ambiente de aprendizagem produtivo, a manutenção de padrões elevados, a criação de um ambiente apoiante e amigável, e o desenvolvimento de um clima global positivo (Jones, 1998, citado por Coleman e Deutsch, 2001, citado por Costa e Matos, 2007).No entanto, os programas de mediação isolados não são suficientes para produzir a mudança desejável pelo que deveremos intervir também aos outros níveis.

Assim, a intervenção no segundo nível, o do curriculum, consiste na criação de programas de formação dirigidos aos alunos sobre a resolução de conflitos, o que implica a incorporação no currículo escolar de temas como compreender o conflito, comunicar, lidar com a fúria, cooperação, assertividade, consciência das diferenças, diversidade cultural, resolução de conflitos e pacificação, variando o seu conteúdo em função das características dos alunos.
Existe um conjunto de elementos centrais comuns à maioria dos programas de formação, e que resultam do reconhecimento da semelhança entre um processo construtivo de resolução de conflitos e um processo eficaz, cooperativo, de resolução de problemas, constituindo o conflito o problema mútuo a ser resolvido (Deutsch, 1973, citado em Costa e Matos, 2007). Desta forma, o aluno é ensinado a:
1. Perceber o tipo de conflito em que está envolvido, uma vez que para diferentes tipos de conflito correspondem diferentes estratégias e tácticas que melhor se adequam;
2. Tomar consciência das causas e consequências da violência e das alternativas à violência, mesmo quando se está furioso;
3.Enfrentar o conflito em vez de o evitar, reconhecendo as emoções e defesas típicas evocadas pela situação de conflito e as consequências do seu evitamento. No entanto, importa não esquecer que perante alguns conflitos a melhor resposta é o evitamento;
4.Respeitar-se a si próprio e aos seus interesses, respeitar o outro e os seus interesses, o que permite ao aluno perspectivar os conflitos na sua real dimensão;
5. Evitar o etnocentrismo, compreender e aceitar a diferença cultural, permitindo-lhe considerar a existência de múltiplas formas de encarar o conflito e a negociação, o que é certo ou errado;
6.Distinguir entre "interesses” e "posições", uma vez que os primeiros podem não ser opostos mesmo quando estas o são, abrindo se a possibilidade de uma solução satisfatória para ambas as partes;
7.Explorar os seus interesses e os do outro para identificar elementos comuns e compatíveis, um processo que promove a capacidade de empatia e facilita a resolução do problema;
8.Defìnir os interesses em conflito como um problema mútuo a ser resolvido cooperativamente, através da definiSo clara do mesmo, da procura criativa de novas e mutuamente vantajosas formas de lidar com ele e, não sendo isto possível, com o acordo sobre um procedimento justo ou com a procura de ajuda de terceiros que servirão como mediadores;
9.Ouvir atentamente e falar de forma a ser compreendido meta-comunicando, o que implica a procura activa da tomada de perspectiva do outro e o confirmar da eficácia da tentativa;
10. Estar atento às tendências naturais para enviesar que acontecem, habitualmente, em si próprio e no outro durante um conflito, designadamente na forma como se percepciona, se fazem julgamentos erróneos e de pensamento estereotipado. Incluído está o pensamento preto -branco, o estreitamento da gama de opções julgadas disponíveis, e o erro de fazer atribuições arbitrárias (a tendência para atribuir o comportamento agressivo do outro à sua personalidade e o comportamento agressivo pessoal a factores externos como o comportamento do outro);
11. Desenvolver competências para lidar com conflitos difíceis para ter a confiança de que, perante interlocutores que não pretendam resolver conflitos de forma construtiva ou que usem artimanhas, será bem sucedido;
12. Conhecer-se a si próprio para melhor perceber como tipicamente responde em diferentes tipos de situações conflituosas' podendo dessa forma modificar a sua tendência quando é inadequada num determinado momento. Os autores utilizam seis padrões de reacção ao conflito para caracterizarem a predisposição de uma pessoa, constituindo as tipologias extremas, sendo que a resposta ideal seria a combinação destes opostos ajustada às circunstâncias:
(a) Evitamento do conflito vs Envolvimento excessivo no conflito;
(b) Duro vs' Excessivamente gentil e passivo;
(c) Rígido vs Excessivamente flexível;
(d) Intelectual vs Emocional;
(e) Exagerado vs Minimizador;
(f) Compulsivamente revelador vs Compulsivamente ocultador.
13. Ao longo do conflito ver o outro como alguém que merece ser compreendido, procurando uma solução justa.A avaliação destas intervenções é reconhecida como positiva quer a nível pessoal quer transpessoal (Deutsch, 1993, Roderick, 1998, citado em Costa e Matos, 2007).

No que diz respeito ao terceiro nível sistémico, o da pedagogia, é defendido o uso de duas estratégias de ensino, a aprendizagem cooperativa e a controvérsia nas disciplinas regulares, no sentido dos alunos poderem praticar as competências de resolução de conflitos entretanto adquiridas em unidades ou formações isoladas.
A aprendizagem cooperativa é constituída por cinco elementos chave interdependência positiva, interacção face-a-face, responsabilidade individual, competências interpessoais e de pequeno grupo, e processamento ou análise do funcionamento dos grupos de aprendizagem (Johnson, fohnson e Holubec, 1986, citado em Costa e Matos:2007).

O quarto nível é o da cultura escolar, objectivando-se aqui a formação dos próprios adultos das escolas, o que pode acontecer quer ao nível individual com o desenvolvimento de competências de negociação colaborativa, quer através da reestruturação do sistema de gestão de conflitos entre adultos. Apesar da maioria da formação e intervenção relativas à resolução de conflitos e cooperação nas escolas se centrar nas crianças, para terem todo o seu impacto potencial, é necessário considerar que a maioria dos adultos a trabalharem nos sistemas escolares tiveram pouca preparação para trabalharem em colaboração ou para gerirem os seus próprios conflitos de forma construtiva, dando corpo a uma cultura que contraria os benefícios dos programas.
Os autores defendem que todos os adultos nas escolas devem ser alvo desta formação, designadamente professores, administradores, psicólogos, funcionários auxiliares e administrativos, etc. Este envolvimento dos adultos pode ajudar a generalizar à instituição as mudanças produzidas, por via da modelagem junto dos alunos e da promoção de novas normas e expectativas relativas à gestão do conflito em toda a comunidade escolar.

Finalmente, o quinto nível sistémico, da comunidade alargada, sublinha a necessidade de que as formações de processos colaborativos e de resolução construtiva de conflitos ultrapassarem os limites físicos da escola, envolvendo os pais, os demais prestadores de cuidados e educadores, a polícia local, membros de organizações comunitárias locais, entre outros. Não é alheia a esta necessidade o reconhecimento de que os conflitos entre alunos frequentemente têm origem ou são transportados para fora da escola e o envolvimento da comunidade alargada permitirá estabilizar a mudança produzida na e pela escola.

Desafios a uma intervenção sistémico-desenvolvimental - Quatro grandes desafios são colocados a esta tentativa de trabalhar de forma sistémico-desenvolvimental:
1. A motivação das escolas e do poder político para a mudança o que implica uma visão holística dos conflitos nas relações e interacções na instituição escolar;
2. Conceptualizar a escola como um sistema aberto, com regras e fronteiras bem definidas, e flexíveis o que permite um desenvolvimento das diferentes componentes do sistema;
3. Utilizar estratégias criativas, isto é' adaptadas a cada contexto' não esquecendo que cada escola é única e com uma identidade própria;
4. Introduzir conceitos e práticas de cooperação e resolução de conflitos nas escolas requer por vezes mudanças sistémicas mais fundamentais, ao nível das normas e práticas do sistema, o que, por sua vez, requer dos professores da escola competências para motivar e persuadir, organizar, mobilizar e institucionalizar a mudança, competências essas que devem, por isso mesmo, ser integradas na formação destes profissionais.
Duma forma geral, estes modelos permitem-nos perceber que a escola e os seus subsistemas têm capacidade de auto-organização, isto é, têm autonomia e capacidade para encontrar respostas adequadas aos seus problemas, o que reforça o seu sentido de identidade. Isto não quer dizer que muitas vezes não seja necessária a criação de equipas multidisciplinares com técnicos consultores ou mesmo colaboradores com uma visão mais neutra do problema, o que poderá facilitar a construção de novas e mais funcionais formas de comunicação.


Costa, E. Matos, P. (2007). Abordagem sistémica do conflito. Lisboa: Universidade Aberta.

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